terça-feira, 16 de março de 2010

Histórias de Vida

Amor de Mãe: o esforço de uma mãe para
garantir o futuro de suas filhas

A bela história de uma família da Malásia, que faz de tudo para manter suas filhas na escola .

Por Norliza Baharom

Na aldeia de Selangor, na Malásia, onde cresci, os coqueiros sombreavam as casas de madeira, os pais se agachavam no chão para cultivar arrozais, as mães se mantinham no aconchego do lar, e os filhos corriam à vontade, descalços.

Quando eu tinha 10 anos e minha irmã, Ayu, estava com 7, nossa família passou por um momento difícil: meu pai não estava ganhando o bastante nas fazendas de cacau. Por fim, ele chegou à conclusão de que teria mais chance pegando ratã nos confins da floresta e vendendo-o para uma fábrica de móveis próxima.
Minha mãe ficou preocupadíssima, pois temia que um tigre o devorasse, mas meu pai disse que era melhor correr o risco de ser comido por um tigre do que ficar em casa e não ter nada para comer.

Assim, foi bem cedo, numa manhã, que ele partiu em sua moto, à procura de ratã. De repente, Ayu e eu não tínhamos como ir à escola, que ficava distante de nossa casa. Para mim, não havia nada melhor do que a idéia de faltar às aulas e ficar brincando com minha irmã caçula. Quando estávamos nos despedindo de papai, sussurrei para Ayu que pegaríamos girinos no laguinho do quintal e os guardaríamos em vidros, como animais de estimação. Sorrimos, animadas.

Nossa felicidade não durou muito. Minha mãe de repente surgiu por trás de nós, com as mãos nos quadris, e disse:

– O que vocês estão fazendo aqui? Está ficando tarde, vão se vestir.
– Para quê? – perguntei.
Minha mãe arregalou os olhos.
– Para o seu casamento é que não é, ora essa! Para a escola, é claro.
Meu queixo caiu.
– Papai não está aqui, e nós não podemos ir à escola a pé.
Minha mãe sacudiu a cabeça e disse:
– Vocês não vão à escola a pé. Vou levá-las hoje. Na bicicleta do seu pai.

Olhando para o jardim, avistamos a bicicleta velhíssima encostada na goiabeira. O guidão estava amassado e torto, e o pedal direito não passava de um pedaço de ferro. Fazia anos que ninguém usava a bicicleta, e achei que ela talvez nem andasse.
Comentei com a mamãe que levaríamos tanto tempo indo à escola de bicicleta que estaríamos velhas quando chegássemos. Ela pediu que eu parasse de bancar a engraçadinha, ou deixaria minhas orelhas quentes e vermelhas.
Olhei para Ayu em busca de apoio. Ela disse que morreria de vergonha se fosse à escola naquela peça de museu. Minha mãe argumentou que não se lembrava de ter adotado a filha do primeiro-ministro.

“Portanto, hoje vocês vão à escola de bicicleta”, decretou. Fim de papo.

Com o coração na mão, vestimos o uniforme. Ayu andava de um lado para o outro, protestando contra a ditadura em que vivíamos.
Mamãe não disse nada a ela, mas sussurrou para mim: “Se sua irmã não parar, a casa vai cair, e vamos precisar morar debaixo de uma bananeira pelo resto da vida.” Eu sabia que ela tentava me fazer rir. Procurei ficar séria, para mostrar que ainda estava triste, mas não consegui.
Quando calçamos os sapatos, minha mãe já nos aguardava à porta, com a velha bicicleta. “Subam e fiquem à vontade!”, disse, com um sorriso.

Montamos na garupa. Ela era pequena demais para nós duas. Por isso, metade do meu bumbum ficava para fora.

E assim fomos. A bicicleta chacoalhava muito, e todas as pessoas por quem passávamos se viravam para ver de onde vinha o barulho. Ayu e eu tapávamos o rosto, de vergonha.

Os pneus estavam quase vazios; quer dizer, a bicicleta dava solavancos sempre que passava por uma pedra ou um buraco na estrada. Falei para mamãe que acabaríamos sofrendo de prisão de ventre. “Você pode ir para a cadeia por destruir o nosso aparelho digestivo”, acrescentou Ayu, com a voz trêmula.

Minha mãe riu e disse que nunca ouvira tamanho disparate. Além do mais, prisão de ventre não era tão ruim assim, em comparação com as outras doenças que assolavam o mundo.

Vinte e cinco minutos depois, chegávamos ao portão da escola. As aulas já haviam começado. Saltamos da bicicleta, esfregando as costas doloridas e os bumbuns assados. Avisamos à mamãe que aquela seria a última vez que andaríamos na bicicleta. De agora em diante, preferíamos ir a pé.

Ela esfregou nossas costas e disse: “Desculpem, mas não quero que minhas filhas percam aulas nem quero que acabem como eu, sem uma formação. Então, entrem logo e estudem por mim, está bem?”

Ela nos deu o dinheiro do almoço, e beijamos sua mão direita – em sinal de respeito –, como sempre fazíamos em casa, antes de papai nos levar à escola. Mas, quando meus
lábios tocaram a mão dela, senti um gosto salgado. Sua mão estava suada. Ao olhar para minha mãe com mais atenção, notei que seu rosto estava brilhando, vermelho, e seu tradicional baju kurung branco, com florezinhas azuis, achava-se ensopado. Ela estava ofegante.

Então tive um estalo: enquanto Ayu e eu reclamávamos da tortura da bicicleta assassina, mamãe se esforçava para nos levar adiante.

Fiquei com o coração apertado. Não entendia por que ela escolhera o caminho mais difícil, em vez de ficar em casa, descansando os pés.

Ao me arrastar em direção ao portão do colégio, as palavras que mamãe sempre nos dizia ecoavam em minha cabeça: “Minhas razões são mais fortes do que as de vocês, mas não se preocupem. Sei disso, porque sou sua mãe.”

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